Tema. Atenção à diversidade. A transmissão do sexismo na etapa educacional dos 0-3 anos

A educação para a paz e a convivência é um aspecto determinante em todos os projetos educacionais nas escolas. Apesar disso, os projetos são repletos de palavras, silêncios, ações, organizações, propostas… que vão contra os objetivos iniciais. Esse fato é particularmente notável no campo da coeducação, onde se visualizam atos de violência de meninos e de submissão de meninas, da mesma forma que se geram desigualdades entre os dois gêneros.

O Centre d’Atenció a la Dona de l’Ajuntament de l’Hospitalet (CAID) iniciou um projeto há quatro anos para formar e sensibilizar equipes de professores/as. Ao contrário de outras ocasiões, neste caso a formação foi dirigida a equipes de professores/as da educação infantil, uma vez que a desigualdade e a violência de gênero começam desde a gravidez. Até o momento, o CAID oferece aconselhamento e capacitação nas escolas de ensino médio da cidade, mas o aumento dos casos de violência de gênero entre adolescentes tem levado os/as profissionais dos serviços a conscientizarem sobre a importância do trabalho de prevenção desde a primeira infância.

Duas escolas infantis municipais da cidade (EBM La Casa dels Arbres e EBM La Casa dels Contes) e a Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) se somam ao projeto proposto inicialmente por profissionais do CAID.

O projeto começa com um plano de formação e sensibilização para as duas equipes escolares na UAB. A partir daqui, são realizadas as demais ações, detalhadas a seguir.

A violência contra as mulheres é um mal endêmico nas sociedades patriarcais. Não há dia em que não apareça na imprensa uma matéria sobre mulheres que são abusadas sexualmente, espancadas, assassinadas, prostituídas, assediadas, exploradas ou aviltadas. A naturalização da violência contra a mulher faz com que aceitemos formas menos óbvias do que as citadas no dia a dia.

“A violência contra as mu-lheres é um mal endêmico nas sociedades patriarcais”

Mas aí estão. Naturalização e legitimação da violência e opressão de gênero. As provas de que é assim são tantas e tão grosseiras, que se torna insuportável ouvir certos discursos que criminalizam mulheres e grupos sociais que denunciam esta situação. O que indica que a verdade, a informação, o conhecimento, por si só, não alteram as ações, atitudes e valores sexistas e machistas. Não se tratra de saber que o machismo é errado, isso não basta para mudar o tratamento desigual e opressor que as mulheres recebem.

A pedagogia feminista, igualitária ou de justiça social não é suficiente. Pelo contrário, é preciso mudar as práticas que tornam as mulheres e meninas invisíveis, que as oprimem e desvalorizam, que são aprendidas desde cedo por meio do processo de socialização e da construção social dos gêneros.

Esta afirmação parece exagerada? Para o Programa Municipal per a la Dona (pmd / caid) de L’Hospitalet de Llobregat (Barcelona) e da Faculdade de Ciências da Educação da Universidade Autônoma de Barcelona, ​​parece-nos que não estamos exagerando quando afirmamos que a prevenção da violência de gênero nas escolas deve começar na eduçação infantil com as crinaças de 0-3 anos, visto que, aos três anos de idade, meninos e meninas já assumiram amplamente os papéis de dominância –entre os meninos– e de submissão –entre as meninas.

Graças à iniciativa do Programa Municipal por a la Dona (pmd / caid) de L’Hospitalet e à colaboração do Departamento de Sociologia e da Faculdade de Ciências da Educação da Universidade Autônoma de Barcelona, ​​no período letivo 2017-2018 iniciamos um programa bastante pioneiro na prevenção do sexismo e da violência na Educação Infantil de 0 a 5 anos. Inicialmente, foi realizado um curso de formação com profissionais da área da educação infantil de duas escolas municipais de educação infantil e de um centro de educação infantil e ensino fundamental. O objetivo inicial desta formação foi sensibilizar os/as professores/as – nenhum professor participou – sobre as práticas pedagógicas que no nosso dia a dia reproduzem e reforçam os papéis de submissão e violência em meninos e meninas de 0 a 5 anos. É o que chamaríamos na sociologia como uma prática de ruptura epistemológica, mas que em nosso percurso definimos como “olhar no espelho do sexismo”. Este exercício, que nem sempre nos foi fácil pelo que representa, nos vermos vítimas e ao mesmo tempo reprodutores do sexismo nas nossas aulas, foi um primeiro passo e necessário para pensarmos num projeto de transformação socioeducativa que começou a ser desenvolvido no ano letivo 2017-2018. E onde duas das escolas infantis que participaram da formação do ano anterior foram as protagonistas desta experiência piloto: La Casa dels Arbres e La Casa dels Contes.

“Deve começar na faixa etaria dos 0-3, pois, aos três anos de idade, meninos
e meninas já assumiram papéis de domínio em grande parte”

Desta forma, durante o último trimestre de 2017 nos dedicamos a compor a equipe de pesquisa-ação, integrada pela direção e professoras das escolas infantis participantes, corpo técnico do Programa Municipal “per a la Dona”, seis estudantes do último ano do curso da Licenciatura em Educação Infantil que desenvolviam o seu trabalho de investigação de conclusão de curso e a sua tutora e professora do Departamento de Sociologia. Os objetivos gerais que buscávamos nesta fase eram:

1. a) Formar as professoras de Educação Infantil por meio da aprendizagem significativa, utilizando a metodologia da pesquisa sociológica.
2. b) Desenvolver um modelo de pesquisa-ação que permita às escolas infantis envolvidas diagnosticar e desenhar suas próprias propostas de transformação educativa.

Procurou-se aplicar e formar docentes de Educação Infantil na metodologia da pesquisa
social, de forma a capacitá-las a fazer seus próprios diagnósticos e a desenhar intervenções
educativas com suas turmas e centros.

Aproveitando o quadro de preparação de seis projetos de conclusão de curso em Educação Infantil, construímos um quadro teórico e algumas hipóteses de trabalho e desenhamos o método de recolha e análise da informação. Isso agora nos permite diagnosticar conjuntamente e com precisão alguns dos mecanismos de reprodutção do sexismo nessas duas escolas de educação infantil. No momento da redação deste artigo, estamos preparando a primeira análise do trabalho de campo.

“Nas ciências naturais e sociais há um consenso de que gênero é um princípio da organização social”

O gênero apreendido
Nas ciências naturais e sociais existe um consenso de que gênero é um princípio de organização social, uma construção que aprendemos durante o processo de socialização de acordo com padrões sociais e culturais e que inclui atitudes, papéis, capacidades, interesses e valores. É amplamente comprovado que biologicamente os corpos feminino e masculino apresentam diferenças e diferentes efeitos hormonais no cérebro que podem fazer com que tenhamos comportamentos diferentes em alguns aspectos. Mas essas diferenças dificilmente podem explicar a existência de duas culturas de gênero tão diferentes. E, muito menos, a desigualdade de exploração entre eles.

A socialização em gênero ocorre a partir de diferentes agências sociais primárias, como a família e a escola, e secundárias, como a mídia, novas telas ou o grupo de pares. Mas a escola tem um papel cada vez mais importante na socialização de meninos e meninas, visto que a escolarização é cada vez mais prematura, então a fase educacional 0-3anos (creche) tornou-se um espaço de socialização, digamos, uma novidade. A pesquisa sobre a socialização no sexismo nesta fase também é nova e muito necessária, especialmente no que diz respeito à construção social de papéis masculinos violentos e papéis femininos submissos, que são a base de uma ordem patriarcal que constrói os homens para explorar e as mulheres para obedecer.

Supõe-se que os homens são violentos, inteligentes, corajosos e racionais “por natureza” e que as mulheres são “fracas”, emocionais, instintivas e desamparadas. Conseqüentemente, a sociedade de alguma forma ignora a violência e a opressão contra as mulheres e legitimamos sua exploração (“é natural”, “meninos são assim”, “meninas são mais calmas”, “são coisas de meninos”). Esta não é nossa reivindicação, nem mesmo uma nova. Desde o século XVI, mas especialmente a partir do Iluminismo, foram inúmeros os autores que revelaram este fato social (Amorós, 1994). Você só precisa ler. Embora já tenhamos alertado que não é a falta de informações, evidências e dados que explicam a subordinação das mulheres. A subordinação não é natural, mas tem um componente social e cultural que a constrói como real. Devemos entender que a construção das mulheres como seres inferiores e corpos para os outros é o que legitima essa exploração. E, em última análise, a ordem patriarcal. Por isso, é importante insistir que antes de serem exploradas, estupradas e agredidas sexual, econômica e profissionalmente, “as mulheres foram derrotadas por sua posição inferior na sociedade, por sua definição como seres eróticos malignos e pela coerção ideológica da fraqueza» (Lagarde, 1990).

Em outras palavras, as mulheres foram historicamente construídas como exploráveis. E nesse processo de construção, a escola desempenha um papel fundamental. Também a Educação Infantil, pois nesta fase meninos e meninas aprendem a ser homens e a ser mulheres.

Um gênero para oprimir e outro para obedecer: lições em família

A subordinação das mulheres a uma ordem patriarcal como a nossa é possível graças à construção social de um gênero feminino invisível, inferiorizado e menosprezado

O patriarcado tornou as mulheres invisíveis por meio da linguagem, da esfera reprodutiva, da política, da arte e da ciência e do esporte. O sexismo constrói as mulheres para o desamparo. A submissão se expressa na beleza, doçura, gentileza, modéstia, simpatia, silêncio, linguagem, maternidade, sacrifício, amor … Essa opressão se manifesta na desigualdade econômica, política, social e cultural, mas também na exploração sexual e na violência contra as mulheres. O machismo degrada as mulheres e o feminino. Vamos ver como aprendemos tudo isso na primeira infância.

Existem vários estudos sobre as características atribuídas pelos progenitores aos bebês em função do sexo. Em uma dessas pesquisas (Rubin, Provenzano e Luria, 1974, descrita por Juan Fernández, 1988), foram consultados trinta casais que tiveram seu primeiro filho (quinze deles meninos e outros quinze meninas). Após vinte quatro horas depois do parto, foi entregue aos casais uma escala com dezoito pares de palavras opostas (grande-pequeno, ativo-inativo, etc.) a serem escolhidas no primeiro dia de vida de seus filhos e filhas, e as respostas a uma suposta descrição da criança também foram registradas para um membro da família ou amigo. As meninas foram descritas como “mais suaves, menores, com traços mais delicados, mais distraídas”, enquanto os meninos foram descritos como “mais fortes, mais duros, com melhor coordenação, mais robustos, com traços mais rudes”, principalmente por parte dos pais do sexo masculino, embora ambos tenham mostrado concordância na mesma direção diferencial.

“O machismo degrada as mulheres e o feminino”

“Existem vários estudos sobre as características atribuídas pelos pais e mães aos bebês, dependendo de seu sexo.”

Sue Askew (1974), em seu livro Os meninos não choram , realizou um estudo que coleta interações de vídeo e áudio entre adultos com crianças em creches. Os nomes mais usados ​​para se referir às meninas foram “tesouro”, “amor”, “preciosa”, “céu”, “bonita” e, para os meninos, foram usados ​​os nomes “tigre”, “comilão”, “sapeca”. “robusto”.

Em outra pesquisa (Bern e Lewis, 1975), a ausência de informações sobre o sexo do bebê impediu a maioria dos adultos de responder à pergunta “O que você acha que este bebê fará quando completar 25 anos?” Quando essa informação foi fornecida, as respostas ao que as meninas fariam foram circunscritas aos seus futuros papéis familiares, enquanto os dos meninos foram mais variados.

Em outro experimento realizado por Smith e Lloyd (1978) na Universidade de Sussex, trinta e duas mães foram convidadas a brincar com um bebê que nunca tinham visto e os resultados foram filmados. Eles foram apresentados em alguns casos como um menino e em outros como uma menina. Os brinquedos escolhidos pelas mulheres para interagirem com eles eram diferentes (martelo / boneca) e as interpretações do comportamento do bebê também, de forma que se o menino estivesse inquieto interpretava-se que ele tinha vontade de brincar, e ao invés a menina foi considerada nervosa e começava a embalá-la.

De acordo com os estudos da psicologia, a identidade sexual é fundamentalmente constituída em dois períodos: a fase infantil, de 3 a 7 anos, e a fase de 11 a 15-16, da puberdade e adolescência. Segundo Bandura e Walters (1974), existe o que chamamos de aprendizagem baseada em modelos, considerada um procedimento de desenvolvimento cognitivo muito importante. Especialmente, o menino e a menina recebem padrões de comportamento na escola que irão repetir mais tarde. Eles passam pelo menos cinco horas por dia no centro educacional a eles exposto. É preciso dizer também que a educação se estrutura seguindo essas diretrizes evolutivas, de modo que é na fase da Educação Infantil onde ocorreria a primeira identificação sexual, desde os 3 aos 6 anos e no Ensino Fundamental, dos 6 aos 11, em que se consolidam os comportamentos aprendidos e, principalmente, naquele em que se dá a primeira etapa da socialização entre iguais, incorporando o conceito de amizade entre eles e elas. Por fim, a puberdade e a adolescência coincidem com o Ensino Médio Obrigatório, dos 12 aos 16 anos.

Nesse sentido, identificamos na escola infantil diferentes campos aos quais devemos nos atentar para as ações que apenas invisibilizam as meninas e ensinam o desamparo: linguagem, brincadeiras, interações, materiais, histórias e canções. Os principais espaços e momentos para a observação destas ações são as entradas e saídas da escola e das salas, a própria sala de atividades, o pátio e o refeitório. Por outro lado, consideramos que as inter-relações que devem ser analisadas mais detalhadamente são aquelas produzidas entre os/as docentes e os meninos e as meninas; entre meninos e meninas; com outros funcionários da escola e com as famílias.

A necessidade de delimitar o campo de estudo nesta primeira experiência piloto levou-nos finalmente a analisar três campos de ação educativa e socializadora: a linguagem, o brincar e as interações que se realizam na sala de atividades e no pátio.

Como dissemos, um exemplo das interações entre meninos e meninas que reproduzem o sexismo são aquelas que acontecem na sala de atividades e no parquinho. Estudos sobre este elemento indicam que ao se analisar os processos de interação de meninos e meninas nesses locais, o sexismo fica claramente evidenciado tanto na brincadeira quanto na ocupação do espaço, portanto um dos objetivos que nos propusemos foi analisar em que medida essas dinâmicas também ocorrem na etapa 0-3anos. A fim de homogeneizar as observações e as análises, focamos nosso interesse nos grupos de 2 a 3 anos em ambas as escolas infantis. Durante três dias, seis pessoas realizaram a observação e gravação de vídeo de dois grupos de 2-3 anos na Escola Bressol La Casa dels Arbres e dois grupos também de 2-3 anos na Escola Bressol La Casa dels Contes.

“Analisar três campos de ação educativa e socializadora: a linguagem, as brincadeira e as interações que ocorrem na sala de aula e no recreio”

A primeira análise das observações é conclusiva no que diz respeito à diferença nas atividades realizadas por meninas e meninos, as divergências no uso dos espaços e os diferentes estilos de movimento, que por sua vez parecem estar relacionados às diferentes formas que temos para estimular os/as bebês.

Com base em estudos anteriores, sabemos que a estimulação em bebês é diferente dependendo das expectativas que o gênero suscita entre as pessoas cuidadoras. Uma simples olhada no álbum de família que encontramos nas salas do berçário mostra claramente como os meninos aparecem em maior medida vestidos com as cores vermelha e azul e em atitudes ativas (brincando de lutar, subindo em alguma coisa, andando de carro, levantados ao alto pelos pais …), enquanto as fotos em que as meninas aparecem, em geral, as representam mais em atitudes passivas – de “pose” -, predominam as cores quentes e a atitude da família e da linguagem corporal tendem a ser mais protetoras e cuidadosas. É um exercício simples que qualquer professor/a pode fazer com sua turma , e do qual se deduz que os meninos, em geral, são mais estimulados para a ação e as meninas mais para a inação. Provavelmente, isso também tem a ver com diferenças na estimulação da linguagem.

Nesse sentido, nos parece importante alertar que existe uma possível relação entre o desenvolvimento da linguagem e a socialização de gênero, que por sua vez reforça papéis mais agressivos nos meninos e papéis mais passivos e negociadores entre as meninas. Acreditamos ser altamente provável que os meninos estejam mais expostos no ambiente familiar a mais brincadeiras motoras que não requeiram tanto o uso da linguagem verbal, enquanto as meninas sejam mais motivadas a realizar brincadeiras mais simbólicas e passivas que favoreçam mais interação linguística com o/a adulto/a, o desenvolvimento da linguagem, da imaginação e da imitação, que auxilia nas relações entre iguais, na resolução de conflitos e na satisfação das necessidades afetivas. Vejamos alguns exemplos de como isso é reproduzido na escola.

Nesta ordem de coisas, foi possível observar o tipo de atividades que meninas e meninos realizavam no parquinho e constatou-se que os meninos ocupam mais todos os espaços da escola, porque se movem muito mais do que meninas, enquanto, ao contrário, as meninas passam mais tempo brincando com a mesma brincadeira porque mantêm sua atenção em uma atividade por mais tempo. Consequentemente, elas se movem menos e tendem a ocupar espaços periféricos.

Tempo gasto por meninos e meninas para mudar
o espaço da primeira ocupação
Fonte: Elaborado por Clara Rivas

 

Movimento e ocupação do espaço
Fonte: Elaborado por Clara Rivas

Nas atividades motoras no pátio de uma das escolas ( o uso de motocicletas, carros, bicicletas) este grande diferencial tem sido observado na movimentação e na forma de ocupação dos espaços lúdicos, o que é claramente ilustrado nas seguintes cartografias do movimento infantil.

Parece razoável pensar que a quietude na brincadeira torna a interação verbal muito mais fácil. Por esse motivo, as meninas, que são mais estimuladas para a brincadeira smbólica, uma brincadeira mais calma e descontraída, e que nessas idades não costumam se agrupar em grande número para brincar, têm mais tempo e oportunidades de comunicação verbal com outras meninas e com os/as adultos/as. Por outro lado, observamos que, de fato, em situações de conflito, as meninas são mais propensas a buscar uma solução para o diálogo e exigir o apoio das pessoas adultas. Ao contrário, os meninos, que são muito mais estimulados desde o nascimento para a atividade motora, geram muito mais atividade e movimento, muito mais ruído, têm uma tendência maior para atividades em grupo com outras crianças e são mais propensos a usar a força para obter o que desejam, proteger seu espaço ou bens.

Na mesma linha, outros estudos concordam que os meninos são mais estimulados para jogos estratégicos, enquanto as meninas são mais estimuladas para jogos colaborativos. Indicam também que as brincadeiras infantis toleram certo grau de violência, dominação e força, o que condiz com o estereótipo do homem e com as expectativas em relação a esse gênero.

A maior atividade e mobilidade dos meninos reforça a invisibilidade das meninas no espaço escolar, uma vez que a atenção dos adultos se dirige cada vez mais a eles. Por outro lado, por meio da brincadeira e da interação entre meninos, meninas e adultos, eles aprendem a se subordinar e a subordinar-se. Vejamos um dos muitos exemplos encontrados no trabalho de campo:

«A professora brinca com duas das meninas que estão sentadas no sofá. Se pode ver como dois meninos sobem nos sofás pulando e pisando neles. Do grupo que brincava cantando (inicialmente três meninas e dois meninos), apenas as três meninas permaneceram. Um grupo de três meninos e uma menina vêm me mostrar alguns acessórios e colocam em mim. A brincadeira começa a ficar fora de controle quando outros meninos querem se sentar onde as meninas cantam e tiram as cadeiras dos meninos e meninas. A professora “resolve” esse conflito dizendo que há sofás onde eles também podem sentar, mas não devolvem a cadeira para as meninas. “ (Diário de campo de Marta Alcalde)

“Uma menina sentada no cantinho da cozinha com um utensílio com areia. À frente, um menino pega areia e a joga nela. Ela grita com raiva “não”. O menino a chuta. Ela não o enfrenta, mas corre em direção à área do parque. Ele a persegue tentando pegá-la, mas finalmente se vira. A menina bate em outra menina (a primeira agressão que vejo entre duas meninas). Nesse caso, a vítima reclama e chora, mas não sai correndo ”. (Diário de campo de Natalia Vera)

A oferta de espaços e os jogos motores e simbólicos são, sem dúvida, elementos que devemos trabalhar mais detalhadamente na nossa análise.

“A maior atividade e mobilidade dos meninos reforça a invisibilidade das meninas no espaço escolar”

Observamos também que a escola tende a oferecer mais tempo e espaço á brincadeira simbólica que reforça atitudes de concentração, relacionamento entre iguais e imitação. A participação dos meninos neste tipo de brincadeira é fundamental para o desenvolvimento de atitudes menos violentas nas mesmas. No entanto, descobriu-se que a atenção deles nesta brincadeira é menor do que a das meninas, então eles logo passam para uma brincadeira mais ativa, enquanto as meninas continuam com a atividade. Por outro lado, as observações parecem indicar que a participação dos meninos nas brincadeiras simbólicas é maior que a das meninas nas brincadeiras motoras.

Conclusões
Muitas escolas infantis tentaram superar a visão sexista das brincadeiras eliminando os brinquedos classificados como de meninos ou de meninas das prateleiras e espaços, ou usando uma paleta de cores neutras. Mas muitas professoras estão cientes de que, apesar de seus esforços para usar uma linguagem inclusiva e tratar meninos e meninas igualmente, a dinâmica sexista continua a ser reproduzida em sala, o que às vezes leva a reforçar a ideia de que o comportamento instável, inquieto e agressivo dos meninos faz parte da sua natureza, e que a atitude passiva, calma e mais comunicativa das meninas.

A observação em sala não deixa dúvidas sobre a necessidade de estudar em profundidade aspectos-chave, como a estimulação diferencial no movimento e a aquisição da linguagem. Acreditamos que seja incontornável que as profissionias que atuam com as crianças de 0-3 anos aprendam a tornar visíveis e a compreender esses processos a partir da prática docente em sala, exercitando seu olhar sobre o sexismo. Para isso, propomos a formação de professores/as, pesquisadores/as e críticos/as que desenvolvam planos de prevenção do sexismo e da violência desde o nascimento do/da bebê.

Marta Alcalde, Azahara Hidalgo, Esther López, Clara Ribas, Isabel Serra, Natalia Vera,
Licenciadas em Educação Infantil, Rosalina Alcaide, Doutorada em Sociologia, Departamento de Sociologia da uab. Colaboradores do Programa Municipal para a Equipe de Doações da Prefeitura de l’Hospitalet, da equipe EBM La Casa dels Arbres e da equipe EBM La Casa dels Contes.

Publicado no Manual da Educação Infantil. Orientações e recursos (0-6 anos): Atenção à diversidade (Volume I). L’Hospitalet de Llobregat: Walter Kluver, 2018.

NOTA
1. Centro de Assistência à Mulher da Câmara Municipal
de Hospitalet (CAID)


BIBLIOGRAFÍA
Amorós, C. Historia de la teoría feminista. unc, Ins­ti­tuto de Investigaciones Feministas, 1994.
Askew, S. Los chicos no lloran. Barcelona, Paidós, 1991.
Bandura, A., y R. H. Walters. Aprendizaje social y desarrollo de la personalidad. Madrid: Alianza, 1974.
Bern, S. L., y Lewis, S. A. «Sex role adaptability: One consequence of psychological androgyny». Journal of Personality and Social Psychology, 31(4), 1975.
Fernández Sánchez, J. «Desarrollo sexual y de género: procesos de sexuación y asignación de género». En J. Fernández (coord.), Nuevas perspectivas en el desarrollo del sexo y del género. Madrid: Pirá­mi­de, pág. 25-46, 1988.
Lagarde, M. Los cautiverios de las mujeres. Madresposas, monjas, putas, presas y locas. Madrid: Horas y Horas, 1990.
Rubin, J. Z.; Provenzano, F. J., y Luria, Z. «The eye of the beholder…». Ame­rican Journal of Ortho­psy­chia­try, 44(4), 512-519, 1974.
Smith, C., y Lloyd, B. B. «Maternal behavior and perceived sex of infant: revisited». Child Development, 49, 1263-1265, 1978.

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